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28/02/2017

A Visão do Neto

Lucien Freud - Auto-retrato em reflexo (1985) imagem Wikiart

Moacir Pimentel
Os muitos auto-retratos de Lucien Freud serão, sem dúvida, para sempre vistos como seus melhores feitos. Nenhum outro artista embarcou em um processo tão profundo de auto-escrutínio ao longo de tantos anos, nem mesmo Rembrandt.
Ele sempre usou um espelho para se auto-retratar, pintando exatamente o que via, retratos ao invés de auto-imagens metafísicas. O artista expõe a verdade secreta de seus modelos criando pinturas que, em vez de se assemelharem aos temas eram os temas, as paisagens físicas, mentais e espirituais de seres humanos num mundo concreto e no milagre dos tons da pele.
Impressiona nas obras de Lucien Freud exatamente ISSO: os sentidos de luta e de busca intensos. Sua pintura tem o contorcionismo dos horrores de Goya, o transporte espiritual de El Greco, e a carnalidade abundante de Rubens, mas tudo isso em imagens de pessoas simplesmente largadas, relaxando em camas e sofás, sem movimento.
O sentimento de agitação que a gente percebe nas telas dele surge da própria luta incansável de Freud para ver mais profundamente e para capturar na pintura a força da própria experiência visual.
Freud não era um realista nem um expressionista - embora haja tanto realidade quanto expressão em sua arte – mas representou apenas as suas próprias tensões psicológicas com seus personagens.
Suas pinturas são cheias de vida e nelas há sempre uma atmosfera latente, palpável, mesmo que muitas vezes ela seja evocada devido ao imenso cansaço de seus modelos.
Ele sempre pintou a partir de modelos vivos não profissionais, muitas vezes amigos ou membros da família, e trabalhava muito lentamente, de modo que as poses de seus modelos a dormir eram reais, ou seja, ele massacrava seus modelos com intermináveis horas de pose até que, exaustos, eles adormeciam.
Em Freud quase sempre encontramos algo novo, uma maneira inédita de descrever a mesma experiência de estar em um atelier com outra pessoa. Nas telas vemos geralmente o mesmo quarto, com os mesmos móveis caindo aos pedaços e a eterna pilha de trapos sujos de tinta.
Com grandes e muitas vezes inesperados momentos, sua arte foi um processo de descrever a sensação da presença - de pessoas e animais e coisas e espaços e luz - na sua existência, através da linguagem da pintura.
Nas suas tintas Freud sempre esteve em contato com sua mortalidade. Para expressar a transitoriedade das coisas e a finitude de tudo,o artista usava coisas absurdas como pescoços envelhecidos, o pêlo ralo de um cão, o olhar de um bebê, as tábuas do assoalho, as sebes no quintal.
Ele estava interessado na presença e não apenas na presença humana: no brilho de uma lâmpada, na perna de um sofá, no traseiro de um cavalo, em um pedaço de tapete rasgado. A linguagem com que descrevia pessoas e coisas, animais e amantes, atmosfera e futilidade, era uma construção assustadora. Eu acredito que ele tinha muito em comum com o seu avô psicanalista.
Detalhes - mais que pinturas inteiras - me prendem a atenção enquanto olho os trabalhos de Lucien Freud. Tantos detalhes!
Persegue-me o padrão paisley nas roupas da senhora sua mãe, repetindo-lhe os tons da pele. São inesquecíveis o encosto de palha de uma cadeira, o halo de luz refletida por trás de uma cabeça, o horizonte de Londres ondulando numa vidraça, os iridescentes azuis, a ternura de um casal despido, o esmalte das unhas nos dedos do pé de uma mulher, certas interações humano-animal numa mesma paleta de cor, um auto-retrato entre folhas - onde parece estar tentando escutar a frondosa planta - e aquele outro, assombroso, no qual ele se eleva colossal sobre suas duas crianças, em um drama freudiano perturbador.
montagem Moacir Pimentel

Lucien Freud estava sempre tentando encontrar novas maneiras de descrever o familiar: as mãos cruzadas, as pessoas adormecidas, os cães, os corpos nus, os sexos expostos, uma maçã do rosto, um giro da cabeça.
Seu toque quase nunca é previsível, linear, obediente ou rotineiro pois o pintor orientava as suas inquietação e extravagância, para encontrar o inédito, o novo, inclusive, na introspecção da nudez. Havia uma intensidade observacional implacável no seu trabalho.
Sua arte é maravilhosamente perversa, e a perversidade foi o método pelo qual ele constantemente se reinventou. Era perverso esse seu estar sozinho em um quarto com outra pessoa, mergulhado no silêncio, analisando a situação em curso, pintando o animal humano não idealizado, sem mascarar as verdades curiosamente complicadas sobre a nossa humanidade, retratando-a com extrema concentração na essência física, para desvendar-lhe as profundezas mentais e psicológicas.
Freud dizia que pensava nos humanos, se vestidos, como em animais vestidos. Ele usava lençóis como trapos para limpar os pincéis e as espátulas e a imundície destes trapos aparecem em diversas pinturas.
Diante do nu muito franco da tela "Em Pé Junto Aos Trapos " a primeira coisa que se pensa é:
Mas que diabo está acontecendo aí?
Não se sabe se a mulher está de pé ou inclinando-se para trás, se apoiando contra uma pilha confusa de trapos - muita atenção: ela não está deitada! - e quase podemos sentir o peso do corpo em uma pose que parece ser tanto de repouso quanto de movimento.
O artista providenciou o desmantelamento da perspectiva para revelar, direta e tangível e impiedosa, a experiência da realidade de um corpo, de habitar um corpo finito – o peso, a gordura, o osso, o músculo, o odor, a textura da pele. A figura entra em confronto com o espectador, tão próxima que se torna um reflexo de quem somos.
 
Lucien Freud - De pé junto aos trapos (1989) imagem Wikiart
Como é dramática esta paisagem humana! Existem tantos contornos, fissuras, vazios e reentrâncias, texturas, erupções neste cenário feito por pinceladas brutalmente grosseiras.
A tinta é conduzida em vales, morros e cordilheiras. O rosto da figura é um borrão de tinta empastada. Nódulos de tinta parecem entrar numa erupção de pústulas no colo, nos braços, nos seios, nas laterais do dorso e das ancas, evocando em nós a doença, a decrepitude e a mortalidade.
Veja como o pintor interpreta a qualidade física da figura contra as curvas etéreas e complicadas dos panos manchados de tinta num efeito devastador. A pele humana firme é colocada de encontro à frouxidão dos tecidos. É um milagre os tons dessa pele, dessa realidade física de um ser humano num mundo concreto de trapos de pano sujos de tinta.
Tente enxergar com a mirada do artista, pois o olhar clínico e distanciado que Freud dirige aos seus nus é de uma objetividade glacial. Essa mulher, em toda a sua carnalidade natural, fica exposta por inteiro à luz do sol. É quase como se Freud, com uma deslumbrante sensibilidade às variações da cútis, pintasse sob a pele. Em termos visuais, os tons de rosa, azul e amarelo são extraordinários - pois quando e onde foi que já vimos uma pele assim?
A carne parece tão densamente empilhada quanto os lençóis estão amassados. Nada, nem mesmo os pés enormes, parecem dotar tal figura emoldurada por tais fantasmagóricas dobraduras de equilíbrio, de raízes que a prendam ao chão.
Ela desliza com uma materialidade assustadoramente transitória. A mulher escorrega em nossa direção, o assoalho fornecendo-nos a única perspectiva, e a impressão é tão vertiginosa - já estive diante do imenso quadro - que algumas pessoas recuam instintivamente, como se temessem que a mulher fosse cair em cima delas.
Os trapos, embora bastante desordenados, são firmemente contidos pelo braço recurvado e pela carne compacta do corpo. Esses lençóis estraçalhados estão, para mim, entre as coisas mais belas pintadas pelo artista. Brilham com uma luz suave, e a sua brancura vai das sombras cinzentas à mais intensa lividez, passando por todos os tons intermediários.
Enquanto a mulher é definida pelas suas formas e limites, os trapos estendem-se indefinidamente em três direções e todos os aspectos dessa diferenciação encantam as almas amantes da pintura.
Eu percebo nesse nu uma qualidade sutil de movimento. Ele é a reinvenção moderna e surpreendente do nu reclinado, um gênero que remonta à Vênus Adormecida de Giorgione e à Vênus de Urbino de Ticiano. Assim como Manet pintou a sua chocante e nua Olympia no século XIX e Picasso inventou Les Demoiselles d'Avignon no início do século XX, em nosso tempo Freud provou mais uma vez que uma pintura pode ser intemporal e imediata, bela e crua.
A maioria dos retratistas visualiza seus modelos através de uma distância. Era diverso o foco perceptivo de Freud. Ele pairava sobre seus protagonistas como um topógrafo mapeando um território, tratava a figura como uma paisagem a ser explorada pelo toque e movimento. Ele despia a alma pintando peles e inventando uma nova geometria para a carne sobre os ossos.

Se a luz é a linguagem da pintura, o corpo é o texto de Lucian Freud. Suas pinturas são violentamente reais, grossas, frias e cadavéricas como se Tanatos superasse Eros.
Ledo engano!
Se a luz é dura, se a luta é até mesmo desajeitada, sob elas a carne nunca é uma distração. Os retratos de Lucien Freud são uma espécie de autópsia estética da qual sai inteiraça a vida.
Muitas pessoas são repelidas pelas figuras do artista, com suas sexualidade e mortalidade tão descaradamente em exposição. Este é, penso, um aspecto da obra de Freud que lhe dá poder espiritual: a essência da condição humana.
Somos seres espirituais que se manifestam em corpos animais, que experimentam medo e desejo, sofrimento e decadência.
Talvez o maior mérito da arte freudiana seja intensificar a proximidade da morte, para chamar à flor das suas peles a força da vida.


27/02/2017

Maritacas & Canários da Terra

Antiga Estação Ferroviária de Morro Azul da Serra do Tinguá

Antonio Rocha
Chegamos na sexta feira, 17/02/17, a tarde. Eu, Heloisa e uma irmã que veio de Brasília. Talvez pela numerologia da data um grupo de maritacas verdes começou a grasnar, assim que abrimos a janela do nosso quarto que dava para os fundos, para o verde. O quarto da minha irmã era para a frente, da única pracinha de Morro Azul, uma localidade do município de Engenheiro Paulo de Frontin, no sul fluminense.
Os canários da terra também conviviam com as maritacas, meio verdes, meio amarelados e também com uma cor de terra.
Observei que as maritacas cantaram na sexta, nos dando as boas vindas, no sábado e domingo pela manhã e à tarde. Mas na segunda-feira não cantaram, imagino que saíram cedo para o trabalho...
Em frente a pracinha, que ainda tem coreto, a estação do trem tem a placa de 1917, as composições pararam de funcionar em 1970. Do outro lado, uma bonita Igreja de Nossa Senhora de Lourdes, toda azul, fazendo jus ao Morro Azul, na missa de domingo pela manhã estava lotada. No último censo, marcou nove mil habitantes, um único self-service, duas pizzarias e uma sanduicheria que está na moda com os jovens.
Curiosamente o posto da PM estava fechado na sexta a tarde, coincide com a reportagem aí abaixo. Mas ouvi um morador na praça dizer que estas matérias que estão publicando sobre a região não são boas, pois podem atrair ladrões e afins.
Interessante que éramos os únicos hóspedes e mais cinco funcionários. Um garçom para o café da manhã, o morador vigia, tipo caseiro com a família, dois balconistas e uma jovem para a limpeza geral.
Então ficamos sabendo: o Hotel foi inaugurado em 1948 e era um cassino clandestino onde os Barões do Café hospedavam-se com suas acompanhantes... Uns vinte e cinco quartos, piscina, bom pedaço de terra misturado com floresta em uma encosta.
Disseram que no carnaval sempre tem mais gente hospedada. E às vezes, grupos de japoneses lotam um ônibus de São Paulo, ou Paraná e vão descansar naquelas águas de fonte pura, silêncio maravilhoso.
A região abrange as cidades de Barra do Piraí, Mendes, Paty do Alferes, Valença, Piraí, Engenheiro Paulo de Frontin, Sacra Família (pertence a Paulo de Frontin, como Morro azul), Vassouras. O folheto turístico informa que na década de 1850 era a região maior produtora de café do mundo. Dizem que é o “terceiro melhor clima do Brasil”, não sei quem mediu e quem são os dois primeiros lugares.
O nome certo: “Morro Azul da Serra do Tinguá”. Parece que o Imperador Pedro II também andava e gostava do local. Tinguá, um nome indígena.
O hotel vazio favorece imaginações para se escrever um romance de mistérios ou de terror com muitos fantasmas. Barões do Café, acompanhantes, escravos, um filmaço!
No sábado soubemos que a dona era uma senhora que estava fazendo aniversário, completando noventa anos. Os herdeiros não estão interessados e ela está querendo vender... mas quem comprar deve investir, a meu ver, um milhão de reais. Talvez um grande grupo hoteleiro internacional.
Região de fazendas históricas, Valença tem faculdades de Medicina, Odontologia, HU – Hospital Universitário, Letras, Direito etc...
Bem perto de Morro Azul tem o Centro de Meditação Vipássana (linhagem Goenka), uma variante budista leiga, onde os professores não são monges. Trabalham e tem suas famílias. A sede está na Índia, mas tem sucursais em diversos países. Os retiros e cursos costumam reunir cem pessoas e o detalhe importante: não se cobra um centavo. A colaboração é voluntária.




26/02/2017

A Paixão de Camille

Camille aos 17 anos (imagem em miltonribeiro.sul21.com.br)
  
Moacir Pimentel
 Ainda que Camille Claudel não se permitisse, nas suas obras, o mesmo frenesi sexual que caracterizava, no mesmo período, o trabalho de Rodin, percebe-se o erotismo nos trabalhos feitos por Camille Claudel durante o caso de amor que viveu com Rodin.
Como mulher e mal aceita que era, então, no mundinho machista da escultura, a “protegida” do maior escultor vivo não tinha estatura para defender com mais ênfase do que fez nos seus trabalhos o amor físico. Não tenho dúvidas de que os trabalhos de Camille foram influenciados por Rodin, nem tão pouco de que ela foi capaz de se libertar das amarras criativas, muito tempo antes do fim da tempestuosa relação.
Os trabalhos de Camille são delicadamente eróticos nas suas ninfas, flautistas e suplicantes. Na montagem abaixo merece destaque o último mármore em sentido horário, de nome Sakuntala, sem dúvida uma resposta esculpida ao canto de acasalamento – pelo menos na arte – de seu amado.

montagem Maria João Pimentel

Muitos acreditam que Sakuntala teria sido uma resposta de Camille para o famoso Eterno Ídolo de Rodin. Dona História nos prova que foi o contrário. Foi Rodin quem respondeu a Sakuntala com a versão dele da ideia dela. Ambas são esculturas nas quais a tensão é substituída pelo abandono aos sentidos.
Sakuntala, também conhecida como Vertumnus e Pomona, é um marco na trajetória de Camille Claudel. A escultura foi inspirada no conto do poeta hindu Kalidasa e retrata o momento do reencontro de Sakuntala e seu marido, após um longo período de separação causado por um feitiço. Dizem que Camille a esculpiu após uma sofrida separação, quando retornou de uma permanência de meses na Inglaterra.
Digna de nota é a escultura O Deus Desaparecido – na montagem acima e em sentido horário começando em cima e à esquerda,ela é a última, embaixo. Essa escultura foi concluída pouco antes de Camille e Rodin terminarem o relacionamento.  
Uma obra notável por suas qualidades expressivas, pela cabeça coberta por tranças emaranhadas, que se enrolam como cordas em torno das formas lisas e arredondadas do corpo feminino, por esse rosto que é uma imagem de angústia, os lábios entreabertos ligeiramente, as sobrancelhas levantadas, a intensidade do olhar nivelado para o espaço vazio entre as mãos implorando em concha.
O vazio em si é altamente sugestivo, levantando a questão: quem é esse deus desaparecido? É talvez um amante a quem a cabeça inclina-se para beijar ? É o próprio amor? Ou a fé? Teria sido um bebê abortado ou mesmo entregue para a adoção embora evidências sobre isso sejam escassas ?
Nas obras de Camille é flagrante a influência de Rodin, cujas obras dialogam com as esculturas da artista como por exemplo pode-se verificar nos torsos que ela passou a escupir de mulheres agachadas e em pé e, principalmente, na escultura O Homem Agachado que me remete ao Pensador de Rodin, o qual, por sua vez, fora influenciado pelas figuras dos Ignudi que Michelangelo pintou no teto da Capela Sistina.
A esta altura do seu caso sério, Camille já havia brilhantemente captado o potencial expressivo de um fragmento do corpo humano e era essa a razão pela qual Auguste Rodin tinha medo de assumir seu relacionamento com Camille: ele tinha plena consciência da inteligência e do talento de sua amante, que faziam dela uma artista que, ao fim e ao cabo, poderia suplantá-lo.

montagem Maria João Pimentel

Mas o oposto também é verdadeiro. Que Camille influenciava a escultura de Rodin é fato e ululantemente óbvio se conhecemos, por exemplo, a sua linda Jovem com Grinalda que predeceu a Galatea de Rodin, tão semelhante.
Exatamente como nesta montagem fotográfica, as obras deles se cruzavam. Há fortes semelhanças e sensibilidades comuns tanto em obras alegóricas quanto nas românticas e muitas vezes naquelas torturadas, como as variações de gesso e barro feitas por Camille para seus torsos e a Sakuntala e naquelas feitas por Rodin para o Eterno Ídolo e a Galatea, todas revelando profunda influência emocional umas nas outras.
Devido a essa proximidade estilística durante este período, às vezes é fácil confundir a habilidade de Claudel com a de Rodin nas obras nas quais ela colaborou como assistente: enquanto a cabeça da figura da Avareza e Luxúria foi erroneamente atribuída a ela, as cabeças do Escravo e do Homem Sorridente, que Rodin assinou quando as moldou no bronze, foram realmente modeladas por Camille.
Se eu tivesse que escolher, dentre todas, a melhor obra de Camille, durante os anos de amor com Rodin, seria A Valsa, uma escultura na qual Camille fugiu completamente da sombra do mestre e amante e ídolo o que, convenhamos, para alguém tão jovem deve ter sido uma façanha imensa.

A Valsa, completada em 1890, foi um pretexto para que Camille experimentasse diferentes materiais. A versão de grés com esmalte flambado é um exemplo de suas investigações sobre a cor e a textura que fazem fronteira com o art nouveau. Embora nessa Valsa a influência do amante e professor tenha sumido no assunto e na forma, lá está ela ainda, tenuemente, na tal sintaxe que permitia que as figuras fossem reutilizadas de forma diferente em obras novas. Isolada e modificada, a figura feminina da Valsa se transformou na figura da Fortuna – aquela da Roda! - no início do século XX.
Na sua lindíssima Valsa, Camille já fala um novo idioma – o da Art Nouveau - criando um casal de bronze que está nu e literalmente desliza e gira e se acaricia num frênesi de beleza passando–nos a impressão de estar entre as nuvens do céu, no ar, em um ciclone, rodopiados pelos ventos, enquanto que os abraços de Rodin continuavam na terra.
Essa composição dinâmica entontece e enquando foi cinzelada decerto que entre o casal ainda havia a possibilidade do êxtase, embora já se possa vislumbrar, na composição, um leve movimento na direção da morte.

montagem Maria João Pimenel

O que tornou a relação trágica e impossível foi o imenso talento de Camille e a certeza absoluta que ela tinha dele, do seu próprio valor, que não permitia que ela como mulher aceitasse a presença de Rose na vida de Rodin e que, como artista, aceitasse ser alimentada apenas pela inspiração e direção do seu professor, por mais que o amasse.
As obras, no entanto, mostram como Rodin ainda desejava Camille Claudel apaixonadamente, em momentos nos quais ela já sentia a necessidade de colocar alguma distância entre eles. Ela chegou a se refugiar na Inglaterra na casa da sua melhor amiga, Jessie Lipscomb. Quando regressou a Paris, Rodin ficou tão feliz de vê-la novamente que assinou um extraordinário "contrato" no qual jurava-lhe fidelidade e prometia à amante que ela seria sua única aluna.
Camille era um ser muito mais complexo do que Rodin. Parecia voltar-se para dentro e se esconder, se proteger como fazem algumas das suas figuras escondendo o rosto, atrás de mãos e braços. Ela censurava a expressão de seus sentimentos em seu trabalho muito mais frequentemente do que Rodin. Poucas alusões diretas a seu relacionamento podem ser vistas em suas esculturas. Sua homenagem mais importante ao seu professor e amante foi o busto de Rodin.

Este período fecundo de arte e paixão senão de felicidade chegou ao fim quando, em 1889, a recusa de Rodin em deixar Rose Beuret enfureceu Camille Claudel, que expressou sua raiva com ferocidade rara em várias caricaturas do casal. Alarmado pelo caráter violento dos desenhos da amante, Rodin começou a evitá-la, embora ainda a amasse. A ruptura definitiva ocorreu em 1892.
Um corpo de obras nasceu das mãos camillianas durante a sua tentativa de superar o amor. Tais trabalhos da escultora são interpretados frequente e simplistamente como se fossem autobiográficos ou mera expressão do estado de coma do seu relacionamento com Rodin.
Penso que deve-se, no entanto, falar mais em termos de um processo de sublimação de eventos na vida privada de Camille sim, mas em que, pela expressividade poderosa de suas esculturas, elas adquiriram uma dimensão mais universal.
Os temas dos trabalhos de Camille Claudel podem ser lidos de várias maneiras pois neles as interpretações literárias, mitológicas e autobiográficas se cruzam e nutrem-se mutuamente. Suas obras freqüentemente refletem perguntas ansiosas sobre o destino humano como é o caso de Sakuntala e suas variações subseqüentes em materiais e títulos - o mármore Vertumnus e Pomona e o Abandono de bronze – que evoluíram gradualmente da lenda hindu em mármore para a mitologia greco-romana até que finalmente se transformaram em íntima emoção.
É bonito demais acompanhar o Abandono virando a solidão na roda da Fortuna e a menina se transformando em Clotho.

montagem Maria João Pimentel

Essa garotinha aí é especial. A Pequena Castelã é o seu nome. Note que há qualquer coisa desproporcional nessa cabeça poderosa demais para uma menininha tão pequena. Há qualquer coisa que incomoda nesses olhos vivos e curiosos, já abertos aos eternos mistérios. Os ombros tão delicadamente infantis parecem frágeis demais para tanto pensar. Há nesta criança algo de indefinível que comunica uma profunda angústia. E o busto prova que Camille Claudel, era sim uma mestra da arte de esculpir.
Veja que as tranças parcialmente soltas da Pequena Castelã inventada em 1892 se transformariam nos longos tentáculos de cabelo e os fios do destino da visceral Clotho, em 1893. As esculturas fazem uma comparação impressionante entre a infância e a velhice.
Como dizia o nosso Machado...
“O resto é saber se a Capitu da Praia da Glória já estava dentro da de Mata-Cavalos, ou se esta foi mudada naquela por efeito de algum caso incidente. Mas eu creio que não, e tu concordarás comigo; se te lembras bem da Capitu menina, hás de reconhecer que uma estava dentro da outra, como a fruta dentro da casca”.
Quando Camille carregava, cambaleante, baldes de barro para fazer as suas primeiras esculturas, em Villeneuve, já ouvia de sua mãe que estava louca. Mas não estava: nascera escultora.
Da mesma forma quando Camille pariu Clotho – de feiúra jamais vista antes sobre a terra das artes – apontaram o dedo para seu desequilíbrio emocional. Essa demarcação das fronteiras da normalidade era – ou é? - usada para limitar quais são as experiências possíveis para mulheres.

E quer saber? Eu acho essa impensável Clotho uma maravilha de tão feia. Mas trataremos disso no próximo capítulo.


25/02/2017

O Meu Bebê



Wilson Baptista Júnior

Fui fazer uma depuração outro dia nas estantes daqui no escritório (de vez em quando é preciso abrir espaço...) e encontrei um envelope que meu pai tinha me dado depois que mamãe morreu. Tinha guardado dentro alguns desenhos meus de criança, um caderno do grupo escolar, os cartões postais que eu mandei para ela na primeira vez em que viajei para longe, e um livro que se usava no tempo em que nasci, chamava-se "O Meu Bebê", com poemas do Bastos Tigre e ilustrações do Acquarone (pensem na dupla, o livro foi premiado pela Academia Brasileira de Letras) muito usado pelos pais naquela época e onde eles iam registrando os acontecimentos da vida do rebento e, se quisessem, escreviam pequenos textos a cada ocasião para que mais tarde a criança lesse quando fosse crescendo.
Eu não tinha aberto o livro desde que recebi o envelope, e nunca tinha lido os escritos. Mamãe e Papai escreviam muito bem. Mamãe teria adorado ler esse nosso Conversas, que ela não chegou a conhecer.
Estava sozinho em casa, confesso que me emocionei e chorei como uma criança enquanto lia. Pensando em quanto gostava deles e como hoje me parecem tão poucas as vezes em que lhes disse isso.
Não há (ainda) como voltar no tempo, mas como eu gostaria de poder voltar, ao menos uma vez, para poder dizer isso a eles...





24/02/2017

O Outro Cérebro


fotografia por John A Beal, PhD Dep't. of Cellular Biology & Anatomy, LSU, Wikimedia Commons




Antonio Rocha

Me perdoem o tema de hoje, mas ele é fundamental em nossas vidas.
Certa feita eu trabalhava em uma agencia de notícias e fui designado para fazer matéria sobre um show de música que estava fazendo sucesso no Teatro João Caetano, Praça Tiradentes, Rio de Janeiro.
Autorizado, fiquei atrás do palco, por trás das cortinas e observei, quando um cantor ou cantora ia entrar em cena, alguns falavam “Merda pra você!”.
Era uma exclamação de boa sorte que a classe artística usa, há décadas. Eu já havia lido sobre isso, portanto não estranhei.
Tempos depois foi publicado o ótimo livro “O Segundo Cérebro”, do médico Dr. Michel D. Gershon, editora Campus. Trata dos intestinos que tem ligação com o nosso cérebro.
Não sei qual é a origem da citada expressão teatral. Mas como é antiga, deduzo que a sabedoria popular já desconfiava de algo. As multimilenares medicinas chinesa e ayurvédica (da Índia) já citavam o tema.
Então eu fui fazer um retiro espiritual com um pessoal da Unibiótica, uma corrente que vem da Coréia. O livro e o assunto em questão estavam na pauta.
Aprendi que nós pensamos também com os intestinos. Olhando as ilustrações de um cérebro, podemos ver que ele se parece um pouco com os intestinos. Aliás, antigamente, quando uma pessoa cometia muitos erros, popularmente se dizia: “Fulano(a) parece que tem merda na cabeça”.
Fiquei sabendo: quando uma pessoa está muito irritada, nervosa, estressada, ela pode estar com problemas de prisão de ventre e polidamente você pode ajudar perguntando: “Já fez o nº 2 hoje?”
Sim porque após “visitar a casinha” como se falava no passado a pessoa fica mais calma. É que o banheiro ficava fora da casa principal e era uma “casinha”.
E é por isso que a Língua Portuguesa explica, quando alguém está muito brabo, ela está “enfezada”... está cheia de fezes, está entre fezes. Recomenda-se então uma visita ao vaso sanitário e tudo fica mais calmo.
Depois foi publicado mais um livro no setor “O Cérebro Desconhecido”, editora Objetiva, autoria de Dr. Helion Povoa, conceituado brasileiro que foi professor em Harvard.
E hoje, nas livrarias, tem vários livros falando do assunto. É só procurar na internet.
Cito ainda “A Doença como Símbolo”, do médico alemão Dr. Rudiger Dahlke, editora Cultrix. Obra que tem como subtítulo: “Pequena Enciclopédia de Psicossomática – Sintomas, significado, tratamentos e remissão”. Aborda quatrocentas enfermidades e cerca de mil sintomas.
Vejamos o que ele diz sobre os Intestinos: “sistema labiríntico do corpo para a transformação de impressões materiais (em contraste com o labirinto cerebral da caixa craniana que transforma as impressões imateriais)”.
Dahlke também afirma que, simbolicamente, “excremento” tem ligação com “dinheiro”.
Resumo da Ópera: Na próxima discórdia com gritos, violências e afins, pode ser que o agressor esteja com problemas de intestinos presos.
A terapeuta norte-americana Louise L. Hay que já vendeu mais de dez milhões de livros, em sua obra “Cure seu Corpo”, editora Best Seller, informa que problemas na área que estamos escrevendo pode ser “medo, preocupação, recusa em largar velhas ideias, avareza, apegos”.
São causas prováveis e a pessoa deve fazer uma auto-análise. Procurar um médico e seguir muitas dicas que ela ensina.



23/02/2017

O Vendedor

B. Pinelli - O Vendedor Viajante - 1825 (imagem wikimedia)


Francisco Bendl
Desde que me conheço por gente, viajo, e muito!
Vim ao mundo em 1950, na capital gaúcha, Porto Alegre.
Aos três meses de idade, eu já perambulava em automóveis e ônibus para Tramandaí, litoral do Rio Grande do Sul.
As idas e vindas para o balneário eram várias por ano, pois as minhas tias possuíam um chalé nesta praia, então a necessidade de manutenção e cuidados.
Tramandaí ficou tão atrelada à minha vida, que, em 59, quando nos mudamos para Brasília, a vida tinha dado uma guinada radical, dando a entender que o RS ficara para trás em definitivo.
O destino – se existe ou não é outra história - dá muitas voltas, mas o objetivo permanece porque sete anos depois tivemos de voltar para os pagos, com a minha mãe muito doente, falecendo dois anos depois e, na praia de Tramandaí, conheci a Marli e me casei com ela no Civil e Religioso, em 1970!
Desta forma, aos vinte anos, eu tinha uma quilometragem rodada que beirava um milhão de quilômetros sem maiores esforços para contabilizá-los.
Ao dar baixa do quartel, a função que melhor remunerava era ser vendedor viajante. Casado recentemente, e necessitando prover o lar e a família, aos vinte e dois anos e de posse de uma Variant branca, farol ainda quadrado, em meados de 72 fiz a minha primeira viagem como profissional e homem “sério”, como éramos conhecidos depois de casados, à época.
Lembro-me perfeitamente bem, como se fora ontem, que iniciei na função de Inspetor de Vendas de uma empresa que vendia máquinas de tecer japonesas, e a primeira cidade que visitei foi Iraí, RS, divisa com Santa Catarina, a quinhentos quilômetros da capital gaúcha.
Asfalto até Sarandi, mas depois chão batido, quase cento e quarenta quilômetros, em 72.
Iraí era ainda uma estação de águas termais, muitos hotéis, turistas, uma cidade agradável.
A Variant tinha um motor 1.6, horizontal, com dois carburadores. Duas peças fundamentais para o desempenho do carro e economia de combustível. No entanto, este tipo de veículo da WV tinha um sério problema:
A dificuldade de equalizar os dois malditos carburadores, que mais pareciam inimigos que conjuntos de metal com a mesma finalidade!
Com a poeira da estrada, solavancos, centenas de mudanças de marchas, a camionete quando chegou na cidade queria “descansar”, tanto pelas lutas que os dois carburadores se enfrentaram, quanto pela negativa de os dois contendores não permitirem mais que o carro andasse, tamanha desregulagem dos dois aparelhos.
Eu conseguira levá-la até o hotel, onde pela manhã eu chamaria a concessionária para consertar a teimosa, atender o único revendedor na cidade e seguir o roteiro deixado na empresa para aquela semana.
Antes das oito horas da manhã, eu estava defronte à agência da WV para que rebocassem o carro até a oficina. Às nove, eu aguardando o resultado do problema, o mecânico diagnostica que um dos giglês da entrada de ar tinha sido o causador de os carburadores não funcionarem sincronizadamente.
A pecinha, uma espécie de bengalinha furada lateralmente no seu fim, precisava ser trocada, porém, a casa não a tinha em estoque!
Naquela época, conseguir uma ligação telefônica era uma loteria. Do interior do RS para o interior do mesmo Estado, um parto, a fórceps!
Às três horas da tarde, a primeira concessionária que nos atendeu, de Carazinho, onde nasceu Brizola, também não a tinha disponível.
Diante da impossibilidade de se conseguir ligação com outra agência, voltei para o hotel e fui para as piscinas tomar banho de águas termais.
Uma delícia. Que vida mansa.
O hotel fornecia o jantar. Sem carro, achei que havia sido a melhor solução. Retornei para o apartamento para ouvir o rádio a pilha que eu levava comigo, pois TV também era raro os hotéis as terem instaladas nos aposentos.
Pela manhã, lá vou eu de novo aguardar na oficina a peça que uma agência poderia ter, e dar sequência ao meu trabalho.
Naquela quarta-feira apenas mais duas agências conseguimos contato, que também não a tinham em estoque.
Nessas três tardes/noites que eu me encontrava em Irai, onde eu não gastaria mais de uma hora para atender o cliente, o atraso no roteiro era em demasia.
Decidi pegar o ônibus que saía da cidade para Porto Alegre às 21:30h, chegando às 6:30h. Na capital, eu encontraria o tal do giglê, levaria para Iraí, a peça seria trocada e... zás, outras cidades para visitar em tempo recorde para compensar os dias parados, além de eu ser novo na empresa e precisar mostrar serviço!
Encontrei a danada da peça na última concessionária, perto da seis da tarde, que deu tempo de eu ir em casa, abraçar a esposa, contar-lhe a aventura, apanhar o ônibus no mesmo horário de volta, chegar em Iraí às 6:30h, rumar para a oficina, consertar a Variant, e voltar para a estrada.
Eu saíra de casa no domingo à tarde, de modo que na segunda-feira, cedo, eu atenderia o cliente, e dali rumaria para Santa Catarina, visitando o Oeste daquele Estado, as cidades de Maravilha, Concórdia, Videira, Caçador, Joaçaba...
No entanto, era sexta-feira, e eu me encontrava ainda em Iraí!
Explicar como para a chefia esse atraso, e por uma peça do tamanho de um pequeno parafuso?!
O tal do giglê foi trocado. O conserto terminara perto do meio-dia porque depois se precisou equalizar os carburadores.
Almocei no hotel, paguei a conta, carreguei a camionete com a mala e mostruário - uma das máquinas de tecer com pente, que fazia as tais gaitas nas blusas e mangas -, e imaginei percorrer os quarenta quilômetros que me distanciavam de Maravilha, em Santa Catarina.
Antes de eu chegar na ponte sobre o rio Uruguai, que separa o RS de SC, a portentosa Variant estanca na estrada. O motor falhara repentinamente e parou!
A muito custo eu a tirei do meio da estrada e a levei para o acostamento. Lembro que, se uma ligação telefônica de fixo era difícil, sequer imaginávamos no início da década de setenta o que seria um celular, quanto mais que um aparelho quase do tamanho de uma caixa de fósforos pudesse ser inventado!
Resultado:
Eu teria de conseguir parar um carro, pedir para o motorista que fosse para Iraí, que se deslocasse até a concessionária da WV, transmitisse o desesperado recado que eu estava com o carro quebrado antes da ponte, e que precisava de socorro.
Evidente que eu não poderia me basear que o primeiro condutor que se dignasse a parar e me ouvir, que iria me atender na solicitação. Qualquer veículo que fosse para o lado contrário do meu, que parasse, eu renovava o pedido!
Resumo da ópera:
Perto das quatro horas da tarde chegou o mecânico da mesma concessionária que me atendeu com relação à troca do giglê. Reconheceu a Variant, a mim, disse que estávamos azarados, e diagnosticou que o carro deixara de funcionar porque o platinado e condensador queimaram, depois de esforços enormes para compensar as falhas de motor pela “bengalinha”, o maldito giglê!
Ele não tinha consigo esta peça, e me rebocou de volta à oficina.
O serviço ficou pronto perto da seis da tarde. A noite surgia. O farol da camionete era pior do que qualquer lanterna por mais simples que fosse. E viajar à noite e em estrada de chão, com a poeira que outros carros deixariam em sentido contrário ou quando eu me aproximasse de outro carro para ultrapassagem ou ser ultrapassado, decididamente não seria uma boa ideia.
Achei interessante que o porteiro do mesmo hotel que eu me hospedara toda a semana não estranhou eu ter voltado. Bom, eu dormiria em Iraí, na sexta-feira à noite, sábado pela madrugada retornaria para casa. Explicaria na empresa os problemas acontecidos, e mudaria o roteiro na segunda-feira.
Cheguei em Porto Alegre perto das 14h. A fome era imensa. Devorei o almoço. Desfiz a mala, contei as aventuras para a Marli, e fui deitar.
Segunda-feira me dirigi à empresa.
Quando fui contratado, eu passara na entrevista inicial, depois com a psicóloga e, por último, um teste de venda, onde eu me saíra muito bem.
Apesar de eu ter criado um impasse permanente entre mim e a psicóloga – lembro que sempre me considerei um rebelde – quando ela me perguntou se eu tinha defeitos e eu ter respondido se ela teria tempo para eu relatá-los, e com cara de poucos amigos me pergunta se eu tinha qualidades, e eu ter enfatizado se ela teria mais tempo ainda para eu enumerá-las, foi no teste de vendas o ponto decisivo à minha contratação.
Portanto, quando na segunda-feira dei o ar da graça, o gerente imaginou automaticamente que eu teria vários pedidos. Após eu lhe contar as dificuldades que eu enfrentara na semana, que não atendi o roteiro e não vendi uma máquina sequer, ter gasto o dinheiro da empresa em hotel, refeições, passagens de ônibus, despesas com o carro, e cobraria ainda a quilometragem percorrida, o chefe se levantou da sua cadeira, me olhou firme nos meus olhos, e exclamou:
- Chicão, das duas uma: ou tu és um ator, que representou um vendedor muito bem ou tu és um vendedor turista, que depois de uma semana banhando-se em águas termais, quer me conversar que o carro quebrou várias vezes!
Voltei para casa ao meio-dia como vendedor demitido!

E assim começou a minha vida profissional como vendedor ou projeto de vendedor.