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19/10/2016

Franquia de Entretenimento

Spock at console (imagem Wikimedia.com)
  
Heraldo Palmeira

Tenho andado nas empresas e me assustado com o que encontro para interlocução. Pessoas esforçadas, estressadas. Boa parte com formação sofrível, sem traquejo e projeto profissional de longo prazo – parece pouco provável que tenham algum para a vida pessoal. Quase sempre desanimadas, sem referências, provocando perguntas diretas: para que tudo isso? Por que vivem assim? Aonde pensam que vão chegar? Como sobrevivem sem resultados expressivos e presas a uma mesmice enlouquecedora?

Ficaram viciadas em balbuciar jargões de línguas estrangeiras – manifestação humilhada de gente colonizada –, copiar modelos que não nos servem, se esconder atrás de diretrizes mal concebidas e produzir relatórios de pouco sentido. Estão sempre ocupadas em reuniões intermináveis e rotinas extenuantes.

Em boa dose, são vítimas de executivos capengas que elaboram tais diretrizes e determinam dados para compor relatórios, escondidos atrás de plaquinhas solenes, cargos pomposos e salas inacessíveis.

Os departamentos de comunicação e marketing, que deveriam oxigenar o ambiente, respiram mal porque estão lotados de gente muito jovem sem qualquer vivência mais profunda. Uma gente metida a tecnológica, deslumbrada, digna de dó. Incapaz de elaborar algo relevante, gerar algum diferencial para a empresa. Ao fim e ao cabo, tudo roda no limite curto entre cargos e pose.

Os da comunicação merecem poucas letras, exatamente porque conhecem poucas letras. Não conseguem tangenciar a ciência que se meteram a estudar e praticar com as necessidades cotidianas. Não desconfiam que a comunicação é ferramenta poderosíssima para modificar cenários, impulsionar negócios e mudar a vida das pessoas.

No marketing encontramos pessoas desprovidas de capacidade para fazer uma análise conjuntural a respeito de qualquer coisa, por mais simples que seja, de conhecer de fato o mercado em que atuam, os anseios reais dos clientes e daí tirar estratégias de ação capazes de ampliar resultados, gerar fidelização e diferenciar a empresa da concorrência.

Apesar do baixo nível de competência, estão encarregadas de decidir sobre passos fundamentais para o negócio; de escolher que caminho seguir para encontrar o futuro onde suas companhias buscarão garantir a sobrevivência.

Farão isso sem conhecer a fundo esse velho mercado que evoluiu num passo a passo monopolista, patrimonialista, coronelista, paternalista, desleal, antropofágico, homicida... Até que, no ambiente atual de crise e desespero, tornou-se autofágico. E ninguém descarta seu potencial suicida.

Estão empoderadas – palavrinha ordinária que entrou na moda nos ambientes corporativos –, apesar de completamente perdidas na escuridão da ignorância, incapazes de enfrentar a autofagia reinante dentro e fora das corporações. Terminam copiando os concorrentes nas “ações de marketing”, jogando milhões no lixo porque não têm conhecimento, discernimento e capacidade de inovar, de correr riscos, de fugir da mesmice. Uma clara comprovação de que os inúmeros diplomas obtidos não passam de papéis voláteis.

Perderam a capacidade de ouvir, de tentar entender os desejos de quem querem alcançar (o tal público-alvo que deveria, muito mais adequadamente, ser chamado de público de interesse) e de planejar o que fazer a partir daí. Por isso, soa extremamente oportuno um filme comercial da Adobe, onde os departamentos de marketing são ridicularizados (veja aqui:
http://campanhasadobe.com.br/Analytics/).

Para um mercado sem lógica, estrangulado pela falta de sabedoria, cabe uma frase – que um amigo não cansa de repetir – do velho e querido Spock, da série Jornada nas Estrelas:

“A lógica é o começo da sabedoria, não  fim”.

Em tempo: esse marketing rasteiro transformou série (de televisão) em franquia de entretenimento. Nada mais vazio. Como esse conceito tolo.


7 comentários:

  1. Dulce Regina19/10/2016, 11:51

    Oi Heraldo. Enquanto isso os competentes estão desempregados...muito triste ver nossos jovens na mesmice e sem nenhuma pespectiva de futuro, penso que a tecnologia está mais rápida do que o desenvolvimento do cérebro deles e aí não absorvem nada, ficam só na superfície. Abraços

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  2. Heraldo, essa situação tem vindo se desenvolvendo por muitos anos. Tem um pouco a ver com as deficiências do nosso sistema de ensino. Quando entrei para a escola de engenharia, cinquenta anos atrás, a maioria absoluta dos meus professores eram engenheiros de larga experiência que sabiam para que servia o que estavam ensinando. Quando, muitos anos depois, voltei aos bancos da escola para cursar economia e administração, já encontrei muitos professores que tinham se formado na mesma escola e imediatamente começado a dar aulas, com pouca ou nenhuma experiência da profissão para a qual estavam formando os alunos. Hoje, um aluno acaba de se formar num curso superior, entra imediatamente num curso de mestrado (sem o qual não é aceito para dar aulas) em que em vez de estudar aprofundadamente um assunto é estimulado a produzir uma multiplicidade de trabalhos intermediários porque a quantidade conta pontos para o ranking da escola, faz em seguida um doutorado, e torna-se um professor teoricamente capacitado mas que não tem a menor idéia da carreira profissional fora da academia, nenhuma vivência. Some-se a isso as deficiências do ensino básico, fundamental e médio, que fazem com que os alunos entrem nas universidades deficientes nas habilidades mais comezinhas e depreparados para pensar, e o caminho está aberto para a situação que você descreve. O Google, ferramenta poderosíssima nas mãos de quem sabe usar, eliminou nas novas gerações o hábito do raciocínio e criou a sindrome das soluções prontas sem avaliação crítica.
    Acostumam-se a apertar botões de aplicativos sem saber como são gerados os resultados que obtém. Estão perdendo progressivamente a capacidade de pensar.
    Pode parecer por este comentário que eu seja contra a tecnologia. De modo nenhum. Trabalho com ela desde o tempo dos grandes computadores que ocupavam salas inteiras. Aprendi muito ensinando-os a resolver problemas. Sou contra a cultura da facilidade sem nenhum esforço. Que vem progressivamente emburrecendo uma grande parte da população...

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  3. 1)Concordo plenamente com o Heraldo.Com a Dulce e o Wilson.

    2)Não sei o que dizer...

    3)Fico então fazendo jogo de palavras, tentativas poéticas:

    4)Empoderamentos ... Tormentos ... Empoderadas ... empoeiradas...

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  4. Sempre um observador atento... e o filme é ótimo.
    Abração

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  5. Rosemilton Silva21/10/2016, 16:47

    Amigo velho das ribanceiras do Seridó e Acauã. Concordo pia e plenamente com você que está devidamente chancelado por Wilson Baptista. Quando falo nessa coisa de analfabetismo pós 64 as pessoas mas novas não conseguem entender.

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  6. Senti uma angústia muito grande. De machucar peito e fechar garganta. Transformado em filme, impactaria tanto quanto Laranja Mecânica!
    Lenta e interminável tortura, planejada e organizada para sufocar as almas dos impotentes adestrados desde o berço. Teria Sísifo uma alma? Ou seria esta a pedra que rola montanha acima?
    Filmes de matanças, bangue-bangues e explosões são fáceis de causar impressão. Leva-nos a pensar a violência lááá longe. Você desenhou uma cultura genocida um tanto mais atroz.

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