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31/08/2012

O Museu, o Acordo e a língua brasileira

Acabo de ler uma reportagem na Folha de São Paulo (edição digital) de hoje, com o título "Museu da Língua Portuguesa não respeita novo Acordo Ortográfico".
A reportagem começa reclamando do trema usado na frase "A valorização da fala oral e os atrativos lingüísticos", que, continua, faz parte da "defasada linha de tempo do Museu, que parou em 2000 - seis anos antes da sua própria inauguração".
E diz, mais adiante: "Responsável pela instituição desde o mês passado, a OS (organização social) Instituto da Arte do Futebol Brasileiro enviou um relatório à Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo no qual considera ser a adequação dos textos do museu ao novo acordo ortográfico um "ajuste prioritário". 
 Cá entre nós, o mais interessante da reportagem não é o seu tema, que é o Acordo Ortográfico qne foi ratificado, em 2008, por alguns dos países de fala lusófona. Dele falarei mais adiante. O interessante é uma organização social chamada "Instituto da Arte do Futebol Brasileiro" ter ganho a concorrência para administrar o Museu da Língua Brasileira.
Não critico aqui nem o Instituto nem a Poiesis, administradora anterior do Museu. Ambas são "Organizações Sociais", que, de acordo com a Lei federal n. 9.637, de 18.5.1998, são "pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sociais sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos os requisitos previstos nesse mesmo diploma."
Nada tem de estranho ou de inconveniente que a administração de um museu que é uma unidade da Secretaria de Cultura do Governo do Estado de São Paulo seja feita por uma entidade de direito privado (bem, talvez apenas o fato de que a adequação da página do site do Museu que fala de sua administração (http://www.museulinguaportuguesa.org.br/parcerias.php) não seja também um "ajuste prioritário", e muito mais fácil e barato de fazer , porque embora tenha o logotipo do Instituto como assinatura ao pé da página, na data de hoje ainda diz que a administradora é a Poiesis :)
O que me parece estranho é que esta administração seja periodicamente colocada em licitação, podendo mudar de entidade administradora dependendo dos critérios da licitação, que incluem naturalmente o retorno financeiro, e não necessariamente em função da qualidade da administração e dos resultados culturais obtidos.
Bem, quanto ao tão falado Acordo Ortográfico, na minha opinião é um trabalho inútil, ineficaz, e que traz prejuizos operacionais e financeiros ao nosso país.
Explico:
Segundo o documento assinado pelo então Ministro da Educação do Brasil, Carlos Alberto Chiarelli, "o projecto de texto de ortografia unificada de língua portuguesa aprovado em Lisboa, em 12 de Outubro de 1990, pela Academia das Ciências de Lisboa, Academia Brasileira de Letras e delegações de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, com a adesão da delegação de observadores da Galiza, constitui um passo importante para a defesa da unidade essencial da língua portuguesa e para o seu prestígio internacional".
O Acordo é inútil porque o português falado no Brasil e o português falado em Portugal (como também, em maior ou menor grau, nos outros países signatários) vem evoluindo de maneira diferente em cada país desde os tempos do descobrimento do Brasil.  São países diferentes, em continentes diferentes, de raças nativas assimiladas diferentes, e culturas naturalmente diferentes. Cada vez mais empregamos palavras diferentes para o mesmo significado, damos significados diferentes para as mesmas palavras, incorporamos palavras de línguas nativas diferentes, construímos as frases de modos diferentes, e não vou nem falar na pronúncia dessas palavras.
O Acordo é ineficaz, porque isso é parte natural da evolução da língua. A longo prazo falaremos línguas diferentes em cada um destes países (se é que não já falamos), como o português, o espanhol e o catalão são diferentes, como o francês e o provençal são diferentes.
Perto disso, as diferenças ortográficas existentes hoje importam muito pouco e há muito tempo já estão incorporadas à maneira de escrever e de falar de cada país.
A língua de maior prestígio internacional, se podemos usar este termo no sentido de utilidade de uso, é o inglês. Um inglês escreve "theatre", "colour", "cheque" e "aluminium" quando o americano escreve "theater", "color", "check", e "aluminum", e nem por isso deixam de se entender ou se preocupam em uniformizar sua ortografia (aliás, se alguém um dia tentar vai ser violentamente atacado pelos dois, cada um dos quais vai dizer que o outro é quem está errado :)
A perda de tempo e os prejuízos operacionais e financeiros de ter que retreinar professores, alterar livros de escola, dicionários, documentos, e rever todas as obras literárias anteriores ao acordo para suas novas edições não precisam de explicação.
Ainda me lembro de uma reportagem da revista "Quatro Rodas", lá pelos idos de 1966, quando a revista resolveu levar para mostrar em Portugal um automóvel Fissore, novidade desenvolvida no Brasil pela DKW. Durante a viagem de navio o carro ficou amarrado pela suspensão para não se deslocar, e a vibração contínua das ondas desregulou os freios. Desembarcando em Portugal e percebendo isso  a equipe levou o carro a uma oficina, e tentou em vão explicar aos mecânicos que queriam que regulassem os freios do carro, até que um mecânico português que tinha trabalhado no Brasil chegou, ouviu, e salvou a situação traduzindo para o dono da oficina: "Ah, o gajo quer que se lhe afinem os travões" :)
Isso foi há quarenta e seis anos, e vocês ainda duvidam que os dois países falam línguas diferentes, ou acham que algum acordo ortográfico vai mudar isso?

http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1145838-museu-da-lingua-portuguesa-nao-respeita-novo-acordo-ortografico.shtml



28/08/2012

Música subatômica: A Sinfonia do Boson de Higgs

No dia 4 de julho, os cientistas do CERN (a Organização Européia para a Pesquisa Nuclear) anunciaram a descoberta de uma partícula subatômica que correspondia às previsões teóricas para o boson de Higgs, uma partícula elementar cuja existência é fundamental para a coerência do "modelo padrão" da física subatômica atual.
Não vou falar aqui da partícula, a imprensa do mundo inteiro já deu grande destaque à sua descoberta. O que achei interessante para mostrar para vocês foi outra coisa:
Os cientistas perceberam a existência da partícula por um "pico" no gráfico  dos dados obtidos com o Large Hadron Collider, o maior e mais potente acelerador de partículas existente, que foi construído especialmente para pesquisar a existência de partículas deste tipo. O pico pode ser visto no gráfico abaixo, na faixa de 126 GeV (Giga electronVolts) que era exatamente a faixa prevista para o boson de Higgs:

                                                              (Imagem: Atlas Collaboration - CERN)

A equipe da LHC Open Symphony, uma organização que trabalha com o que chamam de "sonificação de dados", que é resumidamente a transformação de dados numéricos em música, para proporcionar  uma maneira alternativa de analisar os dados e perceber seus padrões,  usando os ouvidos em lugar dos olhos, trabalhou estes dados, usando uma rede participativa de computadores (a Italian Grid Infrastructure) e chegou à seguinte partitura:

                                                           (Imagem: LHC Open Symphony)



Abaixo, você pode ouvir a música em três versões diferentes, a primeira tocada num piano de concerto Bosendorfer, a segunda com o piano acompanhado de uma marimba, e a terceira numa versão "de concerto" com piano, marimba, flauta, contrabaixo e percussão:

http://soundcloud.com/lhcopensymphony/higgs-boson-sonification-for

http://soundcloud.com/lhcopensymphony/sonification-of-higgs-boson

http://soundcloud.com/lhcopensymphony/higgs-boson-atlas-complete-mix

Um resumo do algoritmo usado para transformar os gráficos em música, que não vamos colocar aqui por causa da sua extensão, pode ser visto no site da LHC:
https://lhcopensymphony.wordpress.com/the-first-higgs-boson-data-sonifcation/



23/08/2012

"Medalha Obrigatória", por Teca Lobato

Apenas para complementar meu post anterior, acabo de ler na edição online do Estado de Minas, seção "Divirta-se", uma matéria da Teca Lobato que exprime perfeitamente minha opinião a respeito do modo pelo qual os espectadores brasileiros manifestaram sua reação às medalhas ganhas e não-ganhas pelos nossos atletas. Tentei entrar na parte de "comentários" da página dela para lhe dar os parabéns, mas não consegui, parece que havia alguma coisa errada no link para comentar do UAI. Então tomei a liberdade de colocar aqui o link para a matéria dela, para quem quiser ver:

http://www.divirta-se.uai.com.br/html/sessao_50/2012/08/21/ficha_mundoela_comportamento/id_sessao=50&id_noticia=57174/ficha_mundoela_comportamento.shtml

20/08/2012

O brasileiro e os resultados do Brasil nas Olimpíadas

Durante os dias da Olimpíada de Londres, tive a oportunidade de acompanhar via internet, pela ampla cobertura do Terra, a maioria das provas, inclusive algumas que não foram divulgadas pela televisão brasileira. O mais curioso foi acompanhar, na mídia, os comentários de jornalistas e internautas sobre os resultados dos atletas brasileiros. A cobrança feita aos nossos atletas pelos resultados beirou a irracionalidade.
Quando a Fabiana Mürer, por exemplo, não conseguiu chegar à medalha no salto com vara porque perdeu o tempo para sua terceira tentativa por causa das condições do vento, os jornais deram a notícia como "um fiasco" e uma "amarelada", e lembraram o seu problema na Olimpíada anterior, quando suas varas de salto foram perdidas por confusão do pessoal do Comitê Olímpico, dando a impressão de que a atleta, comprovadamente uma das melhores do mundo, a não tinha as condições psicológicas necessárias para competições de nível olímpico.
Mais tarde, as declarações tanto da medalhista de ouro como da de prata de que elas também não teriam se arriscado a saltar nas condições de vento do momento do salto da Fabiana não mereceram mais do que uma pequena nota em um dos jornais.
Pouco depois da Olimpíada, competindo na Liga Diamante, a Fabiana ganhou das duas, que não conseguiram ultrapassar os mesmos 4,55m que a impediram de chegar à medalha olímpica. Mas não vi ninguém usar este resultado para colocar o outro na sua devida perspectiva.
Quando a seleção brasileira masculina de vôlei esteve a dois pontos de ganhar a partida final por três sets a zero e acabou perdendo a medalha de ouro para a Rússia no tie-break, a maioria dos comentários foi de que a seleção não estava preparada para enfrentar uma mudança tática como a feita pelo técnico russo ao colocar um jogador numa posição diferente daquela em que sempre tinha jogado; pouca gente falou do desempenho excepcional do jogador russo de dois metros e dezoito centímetros de altura, que nos dois sets e meio em que jogou na nova posição conseguiu fazer vinte e oito pontos.
Grande número de comentários de internautas criticou a delegação brasileira dizendo que o Brasil gastou dinheiro mandando uma quantidade de gente sem condições de competir apenas para "passear" em Londres, e chegando a dizer que aqueles que não conseguiram chegar pelo menos a uma semifinal deveriam ser obrigados a devolver o dinheiro das passagens. Se esquecem, ou provavelmente nem sabem, que não vai a uma Olimpíada quem quer; para poder ser inscrito o atleta passa por um processo duríssimo de qualificação. Apenas atingir o índice olímpico em um esporte individual já coloca o atleta entre os melhores do mundo. Numa competição de equipe, significa que a sua seleção foi a melhor, ou uma das melhores, nas eliminatórias do seu continente.
Chegar a uma semifinal olímpica já é se colocar como um dos melhores entre os melhores. Nos esportes de equipe e em alguns dos individuais, pelo critério de eliminação, já é ser um ou uma dos quatro melhores do mundo naquele momento.
Para tentar chegar lá, um atleta de alto rendimento sacrifica tudo aquilo que nós, torcedores e comentaristas, consideramos como os prazeres normais da vida, para colocar em seu lugar uma dura rotina de preparação física, preparação mental, treinamento, treinamento, e mais treinamento. De quatro em quatro anos, se for um dos melhores, tiver feito tudo isso e tiver tido também sua parcela de sorte, ele vai tentar uma medalha olímpica de ouro, de prata ou de bronze (e a Olimpíada é uma competição ingrata, porque o público pensa em medalhas e ninguém se lembra do quarto colocado em diante. O Brasil colocou três maratonistas entre os treze melhores: Um no quinto, um no oitavo e um no décimo terceiro lugar. Nenhum outro país conseguiu esse resultado. Quantas pessoas falaram disso?). E nessa única oportunidade, além dos competidores, ele enfrenta também todos os imponderáveis da competição, que podem num segundo desfazer todo este esforço apesar de toda a sua competência.
Se algum dos jornalistas ou dos internautas alguma vez tivesse chegado a competir pelo menos no nível de um campeonato brasileiro de qualquer esporte, teriam sido menos levianos ao julgar nossos atletas. Saberiam também que das propaladas grandes somas de dinheiro gastas pelo governo com o esporte muito pouco chega a cada atleta individualmente. Saberiam também que um país consegue medalhas é cuidando de sua infância e de sua juventude, de sua saúde, da sua educação, colocando gente que entende de esporte e educação física em vez de políticos para comandar o Ministério do Esporte, colocando a prática de esporte nas escolas desde a infância, cuidando do esporte colegial e universitário, incentivando a prática de esportes que o brasileiro médio nem sabe direito o que são, criando centros de treinamento com técnicos competentes, para assim conseguir formar as dezenas de milhares de atletas de onde vai poder selecionar os que se tornarão campeões.
E além de formar os atletas, seria bom preparar melhor alguns dos comentaristas das nossas redes para saber do que falam; antes da partida final de futebol entre Brasil e México, o locutor do Terra comentou que o representante mexicano no Comitê Olímpico Internacional era quem ia entregar as medalhas de ouro ao vencedor, e que ele, um mexicano, se arriscava a ter que entregá-la aos jogadores do Brasil; e completou dizendo que em vez "desse político" deveriam ter escolhido algum grande atleta mexicano. Quando ouvi isso sacudi a cabeça, porque o locutor não sabia que o senhor Olegário Vazquez, o representante mexicano, foi um dos maiores atletas mexicanos do tiro esportivo, que competiu por seu país em quatro Olimpíadas e em diversos campeonatos mundiais, foi por duas vezes recordista mundial e ainda é detentor de diversos recordes nacionais de tiro de carabina, além de uma longa carreira como dirigente esportivo...
E ainda teve o prazer de entregar as medalhas de ouro aos seus compatriotas mexicanos :)

10/08/2012

O Passadiço do Rei - um dos caminhos mais perigosos do mundo

No começo do século XX, durante a construção de duas usinas hidrelétricas na província de Málaga, na Espanha, foi construido um passadiço ao longo de uma garganta de montanha, para que os trabalhadores pudessem transportar material e inspecionar o canal. Começado em 1901, o passadiço foi terminado em 1905. Tinha um metro de largura e era construido em lajes de concreto apoiadas em trilhos, sustentados por suportes metálicos cravados na parede rochosa, a cem metros de altura sobre o curso do rio.
Em 1925, durante a inauguração de uma das represas, o rei Alfonso XII da Espanha atravessou o passadiço, que daí em diante passou a ser conhecido como "El Caminito Del Rey".
De lá para cá o caminho foi abandonado, e foi-se deteriorando por falta de manutenção; com o tempo as lajes se romperam em diversos trechos, os guarda-corpos caíram, e o passadiço, procurado como trilha de aventura por excursionistas, acabou tendo seus acessos fechados ao público, após vários acidentes fatais.
O vídeo abaixo, publicado por Revia Romberg, foi filmado por um excursionista percorrendo toda a extensão do passadiço, ajudado apenas por um cabo metálico fixado ao longo dele. Assistam e me digam se vocês teriam coragem de tentar a travessia. Já houve um tempo (há muito tempo) em que eu provavelmente teria. Hoje sinceramente me arrepiou só assistir.



No ano passado os governos regionais da Andaluzia e de Málaga anunciaram um projeto de restauração, que deve gastar uns três anos, com o objetivo de devolver ao Caminito Del Rey suas características originais, e transformá-lo em atração turística. Aí, então, quem sabe :)

09/08/2012

O Curiosity - um smartphone em Marte?

Na noite de 5 para 6 de agosto o jipinho Curiosity (que tem o nome oficial de Mars Science Laboratory) pousou com sucesso em Marte, depois de uma das manobras mais complexas já tentadas na exploração espacial. O alvo escolhido para ser atingido depois de uma viagem de mais de quinhentos e sessenta milhões de quilômetros foi uma área de quatro por vinte quilômetros, no fundo da cratera Gale. Pesando quase uma tonelada, o jipinho começou a descida dentro de uma cápsula que atingiu a atmosfera de Marte a mais de vinte e um mil quilômetros por hora. A atmosfera marciana, cento e sessenta vezes mais tênue do que a da Terra, causa atrito capaz de destruir uma espaçonave que a atinja no ângulo errado de entrada, mas por outro lado não é densa o suficiente para depois permitir uma descida de paraquedas suave para uma massa como a do jipinho, mesmo se utilizasse airbags como foi feito com as sondas anteriores, bem menores. O processo de descida, então, teve que ser feito utilizando uma sucessão de técnicas diferentes, algumas das quais nunca  tentadas antes, e com a complicação adicional de que não podia ser controlado aqui da Terra, porque a distância daqui a Marte no momento da chegada era tão grande que os sinais de rádio levavam quatorze minutos, viajando à velocidade da luz, para atravessar de um planeta para outro. A nave tinha sete minutos para passar da entrada na atmosfera, a vinte e um mil quilômetros por hora, até a parada do jipinho na superfície. Entrando na atmosfera, a nave seria freada pelo atrito durante pouco mais de quatro minutos, e enquanto isso seria dirigida por pequenos foguetes direcionais para manter a orientação certa; quando a velocidade caísse para perto de mil e quatrocentos quilômetros por hora, dispararia um paraquedas que em mais dois minutos a frearia até uma velocidade de queda de duzentos e noventa quilômetros por hora. Mas se a nave atingisse o chão nessa velocidade o jipinho seria destruído. Então nesse momento, a pouco mais de um quilômetro e meio de altitude, ela deveria soltar o jipinho, carregado por uma estrutura (que a NASA chamou de "Guindaste do Céu") dotada de motores foguete que seriam acionados primeiro para se desviar lateralmente, saindo de baixo do paraquedas, e depois para frear a queda e descer até perto do solo. Mas a estrutura não poderia pousar com os foguetes, porque a fumaça, a poeira e os detritos que eles levantariam do solo marciano danificaria os equipamentos do jipinho. Então, ainda no ar, o guindaste teria que descer o jipinho na ponta de oito metros de cabos, colocá-lo no solo, soltar os cabos e subir de novo com os foguetes para ir cair bem longe, onde o seu impacto não pudesse prejudicar a sonda. O processo, como vocês podem ver, era mesmo muito complexo, com uma enorme quantidade de coisas que poderiam dar errado, e teria que ser todo conduzido de modo automatizado e controlado pela própria nave, porque a distância impedia qualquer possibilidade de intervenção. Por isso a NASA chamou estes sete minutos de "Os Sete Minutos de Terror".

                                             Diagrama do processo de descida (imagem da NASA) 
Com toda essa a complexidade e essas coisas que nunca haviam sido tentadas, tudo funcionou perfeitamente, e o jipinho, com propulsão nuclear, está agora terminando um ciclo de testes para começar sua exploração em busca de sinais de vida em Marte, que deve durar vinte e três meses. As primeiras imagens de suas câmeras já chegaram à Terra.
Ao lado de tudo o que essa exploração pode trazer de conhecimento, um dos aspectos mais importantes, talvez, do sucesso dessa missão, e do qual ninguém falou por aqui, é que a NASA agora tem uma tecnologia capaz de enviar cargas de uma tonelada e colocá-las suavemente em Marte numa área predefinida. Isso quer dizer que ela pode, agora, mandar quantidades de suprimentos, água, alimentos, oxigênio, e estocá-los num local determinado da superfície de Marte, preparando o caminho para a expedição tripulada cujo planejamento tem sido sucessivamente adiado pelos cortes de verbas do orçamento americano.  Quem sabe?
Bom, mas afinal porque o título deste post é "um smartphone em Marte"?
É que o jipinho, com toda a sua tecnologia, suas 17 câmeras, seus lasers de exploração, suas perfuratrizes e seus instrumentos de coleta e análise de material, é controlado por um computador com um processador de 200 megahertz de velocidade, com 256 megabytes de RAM e dois gigabytes de armazenamento flash - alguma coisa como metade da capacidade de processamento de um bom smartphone atual :)
Para quem quiser saber mais, o site oficial da missão na NASA, com muita coisa interessante, está aqui:
http://www.nasa.gov/mission_pages/msl/index.html